A Bruxa dos Mortos: Baghead

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Direção:
Título original:
Gênero: Horror/Terror
Ano: 2023
País de origem: Reino Unido

Crítica

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Sinopse

Após ficar sabendo da morte do pai, com quem não falava há anos, Iris recebe de herança um antigo pub e, uma vez nele, se depara com um segredo terrível: o local abriga uma entidade capaz de incorporar os mortos. Tentada a explorar os poderes da criatura - e faturar em cima de pessoas desesperadas - a garota decide seguir por um caminho sem volta.

Crítica

Até quando acerta, parece estar errando. Anunciado inicialmente apenas com o título original – Baghead – pela distribuidora brasileira, depois mudou para Baghead: A Bruxa dos Mortos – a velha tradição nacional de adicionar um subtítulo em português autoexplicativo – para, enfim, inverter essa ordem e chegar ao A Bruxa dos Mortos: Baghead. Por um lado, a insistência em manter o batizado em inglês faz sentido por ser uma palavra de forte expressão (“a cabeça no saco” seria a tradução direta, cujo entendimento permite diversas elucubrações), mas a adaptação local não é desprovida de charme ou lógica: afinal, tudo acontece a partir da existência de uma Bruxa dos Mortos, ou seja, uma mulher com dons sobrenaturais capaz de se comunicar com aqueles que já partiram e os trazer de volta à vida (nem que seja por apenas dois minutos, como logo fica claro). Faltou coragem, portanto, em apostar apenas nessa leitura e em abrir mão de um adendo não desprovido de impacto, mas até certo ponto irrelevante, uma vez que sua ligação não se faz familiar aos espectadores daqui. A mesma falta de confiança que se percebe nos realizadores, que tinham algo realmente interessante em mãos, mas optaram por um caminho seguro, ao invés de assumir os riscos e almejar um resultado ainda mais perturbador.

Pois, se, como dito acima, no centro dos acontecimentos está, de fato, uma Bruxa dos Mortos, por qual motivo não é ela a protagonista? É de se lamentar, com os desenrolar da trama, a escolha do diretor e de seus roteiristas em não investir na origem dessa figura terrivelmente trágica – o que teria lhe acontecido séculos atrás é elucidado através de um rápido flashback, lá pela metade do filme, e não mais recuperado – optando, por sua vez, em seguir os passos de uma jovem em pleno século XXI, moderna e desempregada, há anos afastada do pai, mas que, ao ficar sabendo de sua morte, recebe de herança um velho pub em Londres. A questão nem é tanto o que vem junto com essa notícia – a tal bruxa amaldiçoada – mas o cenário que leva a garota até esse local, justamente quando mais precisava, em meio a uma série de eventos que a colocaram no lugar e momento certo (ou não, dependendo do ponto de vista). Coincidências demais, sabe-se bem, deveriam levantar suspeitas. Mas não naqueles em desespero. Ou quando envoltos por um conto de terror.

Nesse ponto, talvez o melhor seja parar um pouco e dar a devida atenção ao histórico daquela que, equivocadamente, acaba relegada a um segundo plano: a bruxa. Como é dito em cena, trata-se de uma mulher incompreendida e que, por isso mesmo, decide se vingar daqueles que a atormentaram até a morte voltando da danação eterna graças a um dom especial que, ao invés de ter sido empregado a favor de todos, terminou por ser não apenas sua salvação, mas também a desgraça de todos aqueles que se colocarem no seu caminho. Tal qual Owen (Peter Mullan, premiado em Cannes por Meu Nome é Joe, 1998, e indicado ao Emmy por Top of the Lake, 2013) e sua filha, Iris (Freya Allan, de The Witcher, 2019-2023). É compreensível sua revolta contra os homens – foram eles que selaram seu destino quando viva – e nas fotografias antigas expostas pelo corredor, com os antigos proprietários, só se veem representantes do sexo masculino. Seria de se esperar, no entanto, que ao se deparar com uma nova ‘guardiã’ (assim que é chamada aquela que, supostamente, a controla), a questão da sororidade se fizesse presente. Ledo engano. Essa percepção nem sequer chega a ser desenhada, e o enredo que se encaminhava a um desenho de empoderamento feminino e luta contra injustiças seculares recai a uma velha fórmula de gato-e-rato, detalhada tintim-por-tintim durante o clímax.

Assim, se a bruxa é vista, no máximo, como uma antagonista – ou seja, uma oponente aos anseios de quem está à frente das decisões – os olhares se voltam para Iris, desempregada e sem ter para onde ir. A morte do pai não parece lhe provocar pesar, mas a descoberta da propriedade agora em seu nome mexe com uma ambição que talvez nem ela mesmo tivesse se dado conta. Como diz, sem ter para onde ir, por que não ali ficar? Essa motivação é reforçada com a entrada em cena de Neil (Jeremy Irvine, jovem promissor que já trabalhou com mestres como Steven Spielberg e Terence Davies, mas que há tempos reluta em encontrar o projeto que o possa transformar, de fato, em um astro). Aqui, surge uma terceira camada narrativa, certamente menos interessante que as demais, gerando somente ruído e pouco colaborando com o todo. Neil quer falar com a esposa, morta em um acidente, e dela retirar verdades sobre a natureza do relacionamento que tinham quando juntos. Mas não era suficiente as artimanhas da bruxa em se livrar da desconhecida que agora está no comando e seu embate com a recém-chegada que acredita ser capaz de ludibriar uma ameaça que até um dia antes sequer sabia ser possível existir?

Assim como costuma acontecer quando se decide adaptar uma curta-metragem de sucesso em um formato mais longo, A Bruxa dos Mortos: Baghead também carece de uma estrutura melhor planejada, expondo situações circulares (visita-se os mesmos dilemas em mais de uma ocasião) e passando por dramas e reviravoltas que pouco colaboram com um contexto mais amplo. Ainda assim, o diretor espanhol Alberto Corredor faz de sua estreia como realizador uma obra capaz não apenas de prender a atenção por grande parte do seu desenrolar, mas também surpreender em um desfecho irreverente, que a despeito de alguns caminhos desnecessários – menos didatismo e mais certeza de suas escolhas lhe fariam bem – é capaz de provocar ao entregar o controle de sua história a quem realmente a merece. Sem se escorar em truques de maquiagem, jumpscares gratuitos e uma trilha sonora exagerada, o que apresenta é um relato de medo e pavor sobre os limites que podem ser superados quando se é colocado em situações extremas. Ela não pediu para estar ali e talvez nunca fosse seu intento deixar tal trilha para trás, mas uma vez sendo essa sua única opção, como fazer diferente?

Robledo Milani

é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.

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