Bobi Wine: The People’s President

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Título original:
Gênero: Documentário
Ano: 2023
País de origem: Reino Unido / Uganda / EUA

Crítica

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Sinopse

Bobi Wine, ativista e astro musical de Uganda, utiliza a sua música para combater o regime autoritário liderado por Yoweri Museveni.

Crítica

Nos últimos anos apareceram diversas figuras controversas prometendo revoluções a eleitores por supostamente serem “de fora do universo da política”. O bilionário Donald Trump se elegeu presidente dos Estados Unidos com esse discurso grudento do outsider e até Jair Bolsonaro, o ex-mandatário do Brasil que ficou décadas em cargos públicos, afirmou ser representante de algo novo. Se colar, colou. Esse fenômeno, que tem ainda o empresário João Dória como exemplo (eleito ao governo de São Paulo em 2018), decorre da falta de esperança do povo numa classe desacreditada, o que sempre é muito perigoso por fragilizar todo um sistema. No entanto, é recomendável descolar o ugandense Bobi Wine desse perfil, dentro do qual podemos colocar ainda o comediante Volodymyr Zelensky, escolhido presidente da Ucrânia. Músico reconhecido em todo continente africano, Bobi começou a se indignar com os desmandos do líder de Uganda, Yoweri Kaguta Museveni, homem exercendo há quase 40 anos o poder executivo. Aproveitando a notoriedade como artista, Bobi se candidatou antes ao parlamento e depois à presidência, ou seja, enfrentou o status quo e pagou um preço salgado por isso. A trajetória dele é registrada em Bobi Wine: The People’s President, documentário indicado ao Oscar que tem um evidente compromisso com a informação e a denúncia. Desse modo, se encaixa num modelo jornalístico.

Bobi Wine: The People’s President descreve a insurreição popular liderada por um homem que se destacou como um dos principais nomes do afrobeat, passou pelo cinema e mais tarde teve até um reality show. No entanto, diferentemente das figuras ávidas por atenção midiática, ele é observado no documentário como um sujeito corajoso, disposto a colocar a própria vida em risco se isso significar a possibilidade de tirar Yoweri Kaguta Museveni do poder mantido como se Uganda fosse monárquica e não democrática. Os cineastas Moses Bwayo e Christopher Sharp têm acesso privilegiado ao dia a dia desse homem cuja relevância política vai crescendo à medida que a insatisfação do eleitorado aumenta pela estagnação de uma nação com enorme potencial. Vemos Bobi em momentos de intimidade, como quando avisa aos filhos sobre a necessidade de migrar momentaneamente aos Estados Unidos por não ser mais capaz de garantir a segurança da família. Dentro dessa perspectiva jornalística, o filme tira um instantâneo crítico da atuação do governo ugandense para inviabilizar qualquer movimento de oposição, expondo as atitudes institucionais que comprovam o sequestro da máquina do Estado para proveito de um projeto de perpetuação de poder. A democracia de Uganda é vista como farsa. Dentro dessa encenação, há a manobra constitucional para garantir que Yoweri Kaguta Museveni possa tentar a reeleição.

Aliás, esta é a perspectiva mais alarmante de Bobi Wine: The People’s President: a de que os mecanismos civilizatórios garantidos pela democracia funcionam somente quando há um respeito pelos ritos e pelas instituições. Por exemplo, do que servem advogados e juízes dentro de uma realidade em que o chefe principal do Estado passa por cima do poder judiciário para garantir a sua hegemonia? Bobi Wine é seguidamente preso durante a campanha presidencial, constantemente constrangido em público por sua disposição de remar contra a maré, chantageado pelo sofrimento das pessoas ao redor e agredido severamente para perder a força temida por seu opositor. Então, o documentário faz um pouco mais do que revelar a luta quixotesca do artista/político disposto a sacrificar tudo para seu país ter um futuro melhor, pois também está empenhado em desvendar a utilização da democracia como escudo contra as críticas vindas de fora. Mas, na verdade, os preceitos desse regime político são constantemente violados e/ou retorcidos ao bel prazer daqueles que exercem o poder ditatorial disfarçado de prerrogativa republicana. Moses Bwayo e Christopher Sharp costuram bem as circunstâncias indicativas desse cenário explosivo e ainda valorizam Bobi Wine como revolucionário – mesmo não se aprofundando na plataforma, o que acaba se tornando o principal ponto fraco do filme.

Lançado no Brasil diretamente em streaming, Bobi Wine: The People’s President é um documentário formalmente conservador. O que não representa qualquer demérito a priori, afinal de contas há inúmeros filmes desse tipo, com características jornalísticas, que atingem a excelência pela construção de experiências estimulantes mesmo sem o uso de uma linguagem criativa. O importante é o que se faz a partir da proposta e, nesse sentido, a iniciativa é bem-sucedida. No tempo em que vivemos, em que a classe política vem sendo desacreditada – claro, sob o pretexto do genuíno descontentamento dos povos com atuações viciadas –, é revigorante testemunhar a ascensão da liderança popular que utiliza a música como plataforma política, convocação à conscientização e transmissão de mensagens de esperança. Moses Bwayo e Christopher Sharp fazem um filme sobre a batalha heroica, mas evitam trazer à tona as ideias de governança do protagonista, se limitando a observá-lo como alternativa urgente para derrubar do trono um déspota camuflado de presidente republicano. Sabemos que nos sistemas políticos não basta implodir, é preciso propor alternativas viáveis. Talvez por receio de desvirtuar o retrato de Bobi Wine como mártir, os realizadores deixam de investigar as ideias dele, não revelando a plataforma de governo proposta que, assim, contém somente uma grande promessa: derrubar Museveni a todo custo. O interesse pelas ideias de Bobi faz falta, ainda mais num filme político.

Marcelo Muller

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