L’Empire

14 ANOS 110 minutos
Direção:
Título original: L'Empire
Ano: 2024
País de origem: França / Alemanha / Itália / Bélgica

Crítica

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Sinopse

Guerreiros vindos do espaço ocupam um vilarejo no norte da França, agindo como se fossem moradores da região. A luta entre forças galácticas os colocará em guerra, atraindo a atenção de seres poderosos, mas também dos vizinhos que pouco suspeitam do que está prestes a acontecer.  

Crítica

O homem conduz seu barco até a costa, após um dia de intenso trabalho. Uma vez em terra firme, segue com uma rotina metódica, provavelmente repetida inúmeras vezes antes, que se ocupa em atar a embarcação à sua caminhonete, retirá-la da água, atravessar o pequeno vilarejo no norte da França onde se encontra e seguir até em casa, já afastada um tanto da costa. Lá, quem o espera é a mãe, que carrega no colo o neto, ainda bebê. Não há sinal de esposa, até que essa aparece poucas horas depois, exigindo o filho – o que se entende, portanto, é se tratar de uma guarda compartilhada, e a criança deverá ficar sob os cuidados dela pelos próximos dias. E assim partem, deixando para trás uma cena não menos do que cotidiana. Da mesma forma, esse seria o início de uma história igual a tantas outras, não fosse o inesperado marcar presença: poucos quilômetros de estrada adiante, um terrível acidente tira a vida da mulher, ao mesmo tempo em que tanto seu companheiro, que estava ao seu lado, quanto o menino, saem ilesos da tragédia. Eis, enfim, um começo de impacto. Surpresa essa que apenas irá aumentar frente aos desdobramentos seguintes. L’Empire, no entanto, por mais que prometa nestes primeiros passos, pouco se esforça nas quase duas horas que possui a seguir para justificar o interesse levantado, acreditando já ter o jogo ganho. Nada poderia ser mais ilusório.

Bruno Dumont é não apenas um realizador de carreira consagrada, mas um autor reconhecido, voz que se destaca dentre o atual cenário do cinema francês. Títulos como A Vida de Jesus (1997) e Camille Claudel 1915 (2013) o tornaram conhecido por transitar tanto por temas sociais de urgente debate, como por clássicos revisitados. Obras profundas, que alcançaram prestígio pelas camadas de leitura possibilitadas a cada encontro, mas também pelos significados insuspeitos que acrescentavam diante os diversos olhares que a confrontavam. Impressão distinta do que se verifica frente a L’Empire. Após décadas de trabalhos impregnados por múltiplas camadas de entendimento e exaustantes discussões, o sentimento agora é de ter-lhe ocorrido uma súbita vontade de mudança de rumo, dessa vez em direção ao anárquico e irrelevante, embrenhado por um cenário de fantasia entorpecente. Uma brincadeira atordoante e barulhenta, por meio de uma explosão de cores e tiradas visuais, mas que, passado o impacto inicial, pouco oferece enquanto base de sustentação.

A virada se dá pela confirmação de que tanto o pescador, Jony (Brandon Vlieghe), quando o responsável pelo carro capotado, Rudy (Julien Manier), são soldados em uma guerra interplanetária, envolvendo disputas muito distantes daquelas que o dia-a-dia agrícola e turístico da região provavelmente estaria habituado com as quais lidar. Um tem o conquistador de mundos ao seu lado – e, numa piada espacial batizada de “O Império” (em tradução direta), tal figura já seria de se esperar – enquanto que o outro investe na presença de um poder centralizador, manifesto num corpo feminino, mas com limitada paciência para enfrentar as consequências de tais oposições. Enquanto as decisões tomadas no vácuo infinito soam amplas demais para encontrar repercussão entre meros terráqueos, será neste povoado litorâneo que os confrontos ganharão forma. Alguns, por meio de teorias conspiratórias travadas entre moças de corpos curvilíneos vestidos em trajes de banho, outros se colocando pronto para o combate em cavalgadas cujas companhias parecem prestes a cair no riso a qualquer momento, frente a imensidão do ridículo que os cerca. Não basta apenas expor, é preciso também acreditar. E este é o material de mais raro alcance neste conjunto.

É claro que Dumont tem como interesse oferecer holofote ao absurdo que tais tramas, cada vez mais onipresentes no cinema comercial hollywoodiano, tem se mostrado ao espectador ordinário, uma vez que estes estão espalhados pelos quatro cantos do mundo – e com acesso quase imediato a todo esse lixo produzido quase que numa linha de montagem industrial. A escassez de novas ideias ou propostas originais não só é fato, como um problema a ser superado. Mas seria esse por meio de uma comédia que usa dos mesmos meios apenas para apontar os absurdos, sem, como contrapartida, colocar nenhuma resposta válida de atenção na mesa? O emprego de astros como Fabrice Luchini e Camille Cottin em participações mínimas, invariavelmente em posturas perigosamente próximas do exagero, serve de alerta tanto quanto o uso de novatos em papéis-chave – como é o caso dos protagonistas, desprovidos de experiência ou segurança para defender personagens tridimensionais. Não por acaso, tudo o que conseguem é simular cenas de sexo desprovidas de qualquer sensualidade ou travar enfrentamentos bélicos que em nada servem para proporcionar uma variante de tensão. A apatia é dominante do início ao fim.

A sátira pode ser vista como um meio instigante de propor qualquer tipo de reflexão crítica, pois não apenas se elabora através da perspicácia de quem a propõe, como também pelo domínio deste a partir dos elementos que pretende fazer uso enquanto objeto de análise. Bruno Dumont deixa claro estar de posse da motivação inicial, da mesma forma como se mostra despreparado ao mergulho necessário para manipular as ferramentas que se vê tendo que empunhar frente ao tema pelo qual fez sua opção. L’Empire não apenas frustra enquanto escárnio e provocação, como também se confirma incapaz de ser levado adiante mesmo como curiosidade, uma vez que seus pontos de interesse se esgotam logo nos passos iniciais. O que resta, adiante, é uma longa e tediosa jornada que não apenas se revela frágil em estabelecer contato com a própria obra do realizador, como se mostra claudicante em se manter ereta por si só, uma vez que só se valida através da comparação e do deboche. O feitiço, como se vê, virou contra o feiticeiro. E durma-se com um barulho desses.

Filme visto durante o 74o Festival Internacional de Cinema de Berlim, na Alemanha, em fevereiro de 2024

Robledo Milani

é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.

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