Tótem

14 ANOS 95 minutos
Direção:
Título original: Tótem
Gênero: Drama
Ano:
País de origem: México / Dinamarca / França

Crítica

6

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Sinopse

Aos sete anos, Sol está na casa do avô ajudando nos preparativos da festa de aniversário de seu pai. No entanto, com o passar das horas, eventos inusitados colocam em xeque os alicerces da família.

Crítica

O último adeus. Esse poderia ser um título alternativo de Tótem, longa escrito e dirigido pela cineasta mexicana Lila Avilés. Premiada internacionalmente por seu trabalho de estreia como realizadora, o longa A Camareira (2018), ela, que também é atriz, volta suas atenções dessa vez aos olhares e receios da pequena Sol, uma garota de não mais do que sete anos que ganha rosto e sentimento na jovem Naíma Sentíes, que de forma insuspeita revela profundo entendimento dos dramas enfrentados por sua personagem. Logo na cena de abertura, ela e a mãe, Ester (Saori Gurza), se arrumam em um banheiro público antes de seguirem em seu destino. A menina precisou fazer xixi, e a mulher, sem conseguir segurar, acaba por fazer o mesmo, mas na pia. A criança acha aquilo tudo muito engraçado, e se desmancha de tanto rir. Pois aqueles serão os últimos momentos de genuína felicidade para a pequena naquele dia. A partir daquele instante, tudo será em torno de um processo de despedida, um começo de abandono e de amadurecimento sobre uma complicada e adulta situação que alguém tão jovem não deveria se ver envolvido mas que, mesmo assim, a abraça por todos os lados. A escolha por tal protagonista não deixa de oferecer um caráter um tanto piegas a essa jornada, ainda que seja acompanhada por elementos que reforcem o alcance do discurso em questão.

Assim que chega à casa do avô, Sol se vê nos braços de muitos que a querem, mas poucos que com ela conseguem se ocupar, ao menos não nesse dia em específico. Lá está a família reunida, em especial o pai, de resguardo em um dormitório um tanto afastado da balbúrdia que toma conta do entra e sai de todos. Tona (Mateo Garcia, roteirista de Deserto, 2015, aqui em um dos seus primeiros trabalhos como ator) está morrendo. E ninguém ali desconhece essa verdade. Com a única e provável exceção da própria filha. Sol sabe que algo não está bem. Mais do que isso, intui essa interrupção na ordem natural das coisas, pois, afinal, ninguém ao lado dela parece dedicar mais do que um ou dois minutos para lhe explicar, de maneira objetiva, o que de fato está se passando. Porém, se é o gerúndio que domina a ação por enquanto, há algo mais imediato no presente: hoje é o aniversário de Tona. Por isso, suas irmãs decidiram organizar uma festa surpresa para ele. Amigos de longa data, conhecidos distantes e parentes que há muito não o veem, estão todos convidados e daqui a pouco estarão com ele, nesse que tem tudo para ser um dos instantes derradeiros juntos. Há muito com o que se preocupar, portanto. Mas e Sol, o que pode fazer diante disso?

A irmã mais velha está preocupada em pintar os cabelos e se arrumar da melhor maneira possível. A do meio busca se ocupar de todas as formas para fugir do inevitável. Um bolo decorado, pintado como se fosse a noite ao luar de van Gogh, acaba por ser uma boa desculpa para mantê-la afastada tanto daqueles que estão chegando, como também da obrigatoriedade de enfrentar a visão da doença que está consumindo aquele que desde pequeno tanto ama. Avilés, dessa forma, vai construindo um mosaico, um painel sobre as tentativas de resguardo de memórias e aprendizado de desapego a respeito de alguém que a todo instante se referem, mas pouco dele se sabe. Tona, quando em cena, é uma figura frágil e delicada, que em tais condições não poderia ter amado, tido tantos colegas e companheiros, se envolvido em trabalhos e desafios, se enamorado a ponto de gerar uma filha tão esperta e instintiva. Ele é, agora, apenas a sombra de quem já foi. Este é o personagem que Tótem oferece ao seu público. Cada um em cena, no entanto, terá a escolha de decidir qual versão dele irá guardar para si. É, portanto, um momento de enfrentamento, mas também de renúncia.

Porém, no meio de tamanha simplicidade, há que se reconhecer a importância de se elaborar o improvável. Um roteiro é formatado a partir do conjunto de ocasiões que, separadas, podem soar quase aleatórias, mas que juntas devem funcionar como impulso a um caminho em comum a ser alcançado. Esse é o reconhecimento de Sol, que tanto se vê obrigada a descobrir a necessidade paterna, como também de se colocar pronta para dessa abdicar. Mais do que isso termina por se mostrar desnecessário. Então, do bonsai do avô às disputas de responsabilidades entre os primos, há muito ruído que se mostra apenas supérfluo, irrelevante frente a um quadro maior e mais urgente. São debates do cotidiano, que numa composição coral talvez até fizessem sentido. No entanto, a partir do instante em que se opta a exercer como olhar principal apenas os receios e incertezas de uma criança diante do inevitável, esse é um resto menor, desprezível. É nela que a audiência se vê conectada, seja pelo direcionamento imposto pela trama, ou pela performance cativante de sua intérprete. O que está além disso são não mais do que enfeites, que até podem embelezar o resultado, mas também correm o risco de prejudicar o apetite.

Segundo o dicionário, tótem significa um símbolo sagrado, “adotado como emblema por tribos ou clãs por considerarem como seus ancestrais e protetores”. É uma referência, portanto, e definida a partir de uma coletividade específica. Tótem, o filme, pode até ter no homem que está partindo esse ponto de ligação, mas é na garota, que dele tanto sente falta ao mesmo tempo em que muito desconhece, que surge o viés através do qual a audiência buscará tal compreensão. “Meu pai não gosta de mim? É por isso que não quer me ver?”, chega a questionar, em momento de absurda franqueza e fragilidade. Como explicar o que está se passando, o quão pouco a diz respeito, por um lado, e o tanto que nela deverá repercutir, por outro, é a árdua missão que essa história abraça talvez sem o distanciamento desejável, mas fazendo uso de uma proximidade capaz de proporcionar um envolvimento do qual poucos conseguirão se dissociar. Um processo dolorido enquanto vivo e contínuo, mas que encontra dificuldade em perdurar além da obviedade da morte e do suceder dos dias.

Filme visto durante o 73º Festival Internacional de Cinema de Berlim, na Alemanha, em fevereiro de 2023

Robledo Milani

é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.

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