Uma Prova de Coragem

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Título original:
Gênero: Aventura
Ano: 2023
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Crítica

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Sinopse

Durante uma desgastante corrida de aventura na República Dominicana, um atleta marcado por derrotas e sua equipe não menos desacreditada se deparam com um cão de rua que começa a fazer parte da competição como o mais novo membro honorário do time.

Crítica

Antes de se tornar um dramalhão sobre a fidelidade recíproca entre um cão e o seu novo tutor, Uma Prova de Coragem tenta mostrar o protagonista humano como alguém hipermotivado, egoísta e incapaz de desistir. Michael (Mark Wahlberg) é o líder egocêntrico de uma equipe de corrida de aventura, esporte que tende a levar praticantes aos seus limites físicos e emocionais. Depois de um erro típico daqueles que não conseguem ouvir os demais, há um salto no tempo para vermos como esse sujeito em situação financeira estável (não há nada que contradiga isso) enfrenta os obstáculos pessoais no trabalho de corretor de imóveis para o pai. Em tese, a teimosia e a dificuldade de diálogo/cooperação com figuras de autoridade são características fundamentais do personagem – a julgar pelo tempo gasto na construção dessas duas ideias. No entanto, o roteiro assinado por Michael Brandt rapidamente deixa de lado ambas para focar na aventura com cada vez mais traços simplistas de drama de superação. A teimosia de Michael se transforma em obstinação admirável e os problemas com o pai somem no horizonte – o cineasta Simon Cellan Jones perde uma oportunidade de expandir esse atrito geracional quando insere na trama outra personagem com restrições para dizer “não” ao pai. De todo modo, as cenas focadas na teimosia e a tensão familiar, importantes inicialmente, são quase totalmente em vão.

Uma Prova de Coragem negligencia qualquer elemento que possa conferir mais densidade aos personagens e a suas provações. Michael bota na cabeça que deve montar uma nova equipe para a competição mundial disputada na República Dominicana. Ele se concentra em figuras com algum grau de frustração ou meio à deriva, como o navegador considerado velho demais para a tarefa, a sucessora que alimenta convenientemente o legado que não a apaixona e o atleta atualmente mais preocupado com visualizações e likes em suas plataformas pessoais digitais. Está montado o cenário para um triunfo “inesperado” daqueles que o cinema norte-americano apresenta constantemente como celebração do trabalho árduo. No entanto, ao longo do filme, o joelho do veterano vira um obstáculo quase insignificante, a (falta de) paixão da sucessora nunca é colocada devidamente à prova e o objetivo de popularidade do ex-desafeto se resume a poses para selfies. Portanto, Simon Cellan Jones não investe no que torna os coadjuvantes importantes nessa dinâmica da vitória inusitada, apenas recorrendo a eles como suportes ao percurso do protagonista – que não é mais bem elaborado. Ainda dentro dessa superficialidade na construção das figuras humanas está a esposa de Michael, o protótipo anacrônico da companheira fiel que serve tão e somente como um item decorativo de incentivo e segurança.

Em paralelo aos desafios burocraticamente apresentados no filme, temos as andanças de um cão maltratado. Logo, esse animalzinho (outro vencedor improvável) se junta ao time liderado por Michael e reivindica o status de membro honorário, afinal de contas, assim como os integrantes humanos, é resiliente, inteligente e luta contra adversidades. A partir daí, o foco de Uma Prova de Coragem fica ainda mais estreito na relação entre o protagonista e o cão, sendo os demais personagens peças de decoração que, quando muito, servem para valorizar a liderança de Michael. Mark Wahlberg interpreta o atleta que gradativamente perde contato com aquilo que o distingue na multidão, pois o diretor opta por reiterar as suas qualidades humanas e o compromisso ético que ele tem até com o ex-desafeto que tornou público o seu fracasso no passado. O filme apresenta diversas soluções fáceis para problemas complexos, frequentemente tomando atalhos que aceleram trama, mas às custas da simplificação dos contextos emocionais e psicológicos. Se, ao menos, a direção privilegiasse o desafio físico ao qual as pessoas são submetidas em cenários insalubres, a produção poderia ser um retrato das provações físicas. Mas nem isso acontece num drama que utiliza o clichê visual dos tons terroso, amarelado e/ou ocre para representar um país subdesenvolvido onde as belezas naturais compensam a pobreza.

Claro que é naturalmente emocionante ver um ser humano perdendo a vaidade diante de um companheiro canino prestes a morrer, se curvando para prestar homenagens a um ser vivo que apareceu em sua vida quase por providência divina (ou algo que o valha). Simon Cellan Jones é tão ciente de que o infortúnio do animal comprovadamente incrível será suficiente para garantir as lágrimas de parte da plateia que nem esconde tanto a sua falta de interesse pelo restante dos elementos. Quando o cão Arthur se torna coprotagonista, Simu Liu, Nathalie Emmanuel e Ali Suliman, os intérpretes dos colegas humanos do personagem de Mark Wahlberg, perdem a importância como indivíduos. Alimentando uma tendência edificante que resvala nos discursos da autoajuda, o realizador esquece de todo o restante para insistir na ideia de que Michael e seu novo amigo canino foram feitos um para o outro, que eles se parecem mais do que os demais pensavam e merecem a felicidade conjunta como um prêmio por seus comprometimentos. As desavenças com a subcelebridade das redes sociais evaporam, a motivação da jovem lutando contra a tristeza pelo diagnóstico terminal do pai basicamente some e a força de vontade do sujeito sentenciado como velho demais para um esporte de altíssima performance vira uma desgastada nota de rodapé. A única coisa que importa é o vínculo entre Michael e seu novo cão.

Marcelo Muller

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