Uma Vida: A História de Nicholas Winton

12 ANOS 110 minutos
Direção:
Título original: One Life
Ano: 2023
País de origem: Reino Unido

Crítica

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Sinopse

Nicolas é um corretor em visita a Praga, na então Checoslováquia, em 1938. Diante de famílias inteiras vitimizadas pela Segunda Guerra Mundial, ele se convence de que pode coordenar um transporte seguro de crianças refugiadas para o Reino Unido.

Crítica

Todo indivíduo, por mais aparentemente insignificante que possa ser sua passagem pela Terra, tem a sua importância. O que dizer, então, quando a referência é sobre alguém que não apenas soube cuidar de si, mas também de outros, representando a diferença entre o ir e o ficar, o existir e o perecer, o salvar e o abandonar? Esta é a mensagem defendida mais pelo diretor James Hawes e menos pelo protagonista de Uma Vida: A História de Nicholas Winton. Não que o personagem-título não acredite na eficiência de suas ações. Mas, pelo contrário, há uma real modéstia em si, optando por ver tais gestos dentro de um contexto maior, e não apenas como resultado dos seus esforços acima de quaisquer outros. Tanto é que, por anos estes feitos ficaram à sombra, praticamente escondidos, e só ganharam os devidos holofotes graças aos movimentos coordenados por aqueles que estavam ao seu redor, e não por uma vontade sua em alcançar tal reconhecimento. Até o final, eis aqui um homem afeito às consequências, sem tanta atenção em quem dera o primeiro passo naquela direção. Por mais que, na maioria das vezes, tenha sido ele próprio.

Hawes, conhecido por ter comandado episódios de séries badaladas, como Black MirrorHated in the Nation (2016) e Smithereens (2019) – e Slow Horses (2022), aceitou estrear na direção de um longa-metragem ao ser convidado pelos produtores de Uma Vida justamente por já ter tido contato prévio com a trajetória de Nicholas Winton (essa e outras curiosidades o diretor revelou para o Papo de Cinema em entrevista exclusiva que você confere aqui). A questão é que estava longe de ser um privilegiado neste caso: mais de metade do Reino Unido já havia ouvido falar desse senhorzinho que morava tranquilamente em Berkshire, no interior da Inglaterra, ao lado da esposa, sendo ocasionalmente visitado pelos filhos, e que durante grande parte da vida trabalhou como corretor e banqueiro. E por um motivo simples: por causa de uma curiosa participação em um programa de auditório da BBC no qual foi revelado, ao vivo, para surpresa inclusive dele mesmo, que dezenas (talvez centenas) de pessoas haviam sido salvas durante a Segunda Guerra Mundial dos avanços nazistas em virtude do seu empenho humanitário. Algo que ele havia feito apenas por acreditar ser o certo naquele momento.

Interpretado pelo genial Anthony Hopkins na velhice, Nicholas Winton ganha às telas dotado de um olhar curioso, um tanto dissimulado, como que a desfrutar de um presente prazeroso, ciente de estar colhendo um fruto gerado muito tempo antes. É a esposa (papel de Lena Olin, que merecia mais espaço em cena) que descobre, em uma gaveta de um escritório que clamava por uma organização radical, a lista com todos aqueles nomes que tiveram suas existências transformadas pela interferência de Winton. Às vésperas do início do conflito que abalou a Europa (e o mundo) no final dos anos 1930 e início dos 1940, ele foi para Praga e, de lá, conseguiu organizar uma logística conjunta que resultou no resgate de 669 crianças, a maioria judias (mas não somente) e que, com isso, impediu que elas fossem encaminhadas aos campos de concentração promovidos pela Alemanha durante o Holocausto. Hopkins, portanto, está a par tanto do antes, como do depois. Sua relutância em assumir o crédito diz mais sobre uma ausência de vaidade pessoal do que pela falta de conhecimento da repercussão dos seus atos.

Neste ponto, o filme assume um olhar mais tradicional, movendo-se para um longo flashback que se ocupa em narrar o episódio que tantas décadas depois geraria a fama que, cedo ou tarde, alcançaria Winton. Agora com o roqueiro Johnny Flynn no papel principal, o enredo revela um comedimento desnecessário, detalhando pormenores que pouca diferença fizeram no âmbito geral – que é, enfim, o que de fato importa. Este grande parênteses só não se mostra totalmente descartável pela participação sempre envolvente de Helena Bonham Carter (como a mãe de Winton) e por propor laços cujas pontas só serão atadas mais ao término da projeção, pontuando o crescente emotivo da jornada de modo quase incontornável. Não se esconde ser este um filme feito para emocionar, e a recriação da presença do protagonista no programa televisivo que o tornou conhecido nacionalmente é a maior prova desta intenção. O espectador que chegar até aqui ignorante dos feitos deste personagem certamente será arrebatado tal qual a audiência da época, uma comoção de rara sensibilidade e somente possível de reprodução frente à fina delicadeza do realizador diante do muito que tem a dizer em um espaço tão limitado.

Conhecido enquanto vivo (Winton faleceu em 2015 aos impressionantes 106 anos de idade) pelo apelido de “Schindler britânico”, Nicholas foi nomeado cavaleiro pela Rainha Elizabeth II e recebeu a Ordem do Leão Branco (a mais alta honraria da República Tcheca), entregue pelo presidente Milos Zeman. Se tais homenagens foram condizentes com suas ações, essa é uma questão que não se debate. Portanto, Uma Vida: A História de Nicholas Winton acerta justamente em não torná-lo herói, exibindo-o como alguém excepcional e capaz de realizar aquilo que mais ninguém pensava ser possível. Num sentido oposto, o que se tem em cena é um homem comum frente ao horror e ao absurdo da guerra e, justamente por isso, também determinado em não ir além, mas em fazer o que estava, sim, ao seu alcance. Um pouco que talvez não mudasse o rumo das coisas num contexto amplo, mas que pudesse ao menos alterar o mundo de um – ou de seiscentos. Hawes acerta não apenas na escolha dessa forma de se aproximar do mito, mas também em entregá-lo sob responsabilidade de Hopkins (e, em menor grau, de Flynn), que sabe como poucos que, em casos assim, menos certamente é mais.

Robledo Milani

é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.

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