27 mai

25° Prêmio Guarani :: Uma análise dos indicados pelo Papo de Cinema

Nada menos do que 170 longas-metragens brasileiros foram lançados no circuito comercial nacional entre 01 de janeiro e 31 de dezembro de 2019. Somam-se a esses aqueles que tiveram distribuição direta em VoD e nas plataformas de streaming. Tivemos também mais de uma dezenas de curtas, exibidos em festivais e eventos do gênero, além de outras centenas de produções internacionais que chegaram às nossas telas. Esse foi o conjunto avaliado por mais de 40 críticos de cinema de Norte a Sul do Brasil durante a primeira fase de votação do 25° Prêmio Guarani de Cinema Brasileiro, quando chegou-se aos cinco finalistas de cada uma das 24 categorias da premiação em 2020 – você pode conferir aqui a lista completa de indicados!

Bacurau, de Juliano Dornelles e Kleber Mendonça Filho

Se o destaque de títulos como Bacurau (que recebeu 15 indicações e foi o campeão de citações neste ano) e A Vida Invisível (com 13 indicações, ocupou a vice-liderança) era mais do que esperado, outros tantos surpreenderam, tanto pelo número de lembranças que registraram, como também aqueles que acabaram de fora da lista final, mesmo tendo recebido elogios entusiasmados na época dos seus lançamentos e também por terem levado milhares de pessoas aos cinemas (cadê Minha Mãe é uma Peça 3, gente?). Pensando nisso, conversei com a equipe de críticos e colaboradores do Papo de Cinema – o nosso site, afinal, que organiza e é responsável por anualmente promover o Prêmio Guarani – para ouvir deles o que acharam dos indicados, como viram a seleção apresentada e o que pensam a respeito dos 44 filmes que agora partem para a segunda fase de votação, quando serão eleitos os melhores do último ano.

 

A qualidade dos indicados ao 25º Prêmio Guarani sublinha a força do cinema brasileiro”

– Marcelo Müller

 

A qualidade dos indicados ao 25º Prêmio Guarani sublinha a força do cinema brasileiro, esse bravo que resistiu inúmeras vezes ao longo de mais de 100 anos aos humores oscilantes dos governos, à falta de apoio da iniciativa privada e às dificuldades inerentes ao nosso subdesenvolvimento”, aponta Marcelo Müller, crítico de cinema e editor do Papo de Cinema no Rio de Janeiro. E ele continua: “os concorrentes ao 25º Prêmio Guarani são um recorte sintomático da nossa potência cinematográfica, a despeito de tudo e de todos”. Ele encontra eco no pensamento de Bruno Carmelo, crítico de cinema e editor do Papo de Cinema em São Paulo, que afirma o seguinte: “a lista de indicados ao 25º Prêmio Guarani reforça a importância das premiações internacionais na percepção de qualidade do cinema brasileiro. Não por acaso, os filmes com maior número de indicações, Bacurau e A Vida Invisível, venceram dois importantes prêmios em Cannes – razão pela qual foram vistos pelo maior número de espectadores e de críticos. Ao mesmo tempo, os indicados reforçam a existência de um cinema maduro ocupando o espaço intermediário entre Cannes-Berlim-Veneza e as produções populares”.

A Vida Invisível, de Karim Ainouz

A hegemonia de Bacurau e A Vida Invisível não chega, portanto, a ser uma surpresa. Mas quais as razões mais evidentes desse sucesso? “Mesmo para um cinema tão rico quanto o brasileiro, que apresenta tramas cada vez mais inteiradas dos assuntos que movimentam o mundo, desta vez possuímos duas das produções mais elogiadas mundialmente em 2019, que frequentaram inúmeras listas de ‘melhores do ano’ de cineastas e veículos especializados. Ambos trabalhando com temas inquietantes e comandados por conhecedores da sétima arte como Karim Ainouz e Juliano Dornelles/Kleber Mendonça Filho. Creio que seja difícil desbancá-los na maioria das categorias”, comenta Victor Hugo Furtado, crítico de cinema e redator do Papo de Cinema.

 

Desta vez possuímos duas das produções mais elogiadas mundialmente em 2019, que frequentaram inúmeras listas de ‘melhores do ano’”

– Victor Hugo Furtado

 

Ele, obviamente, não está sozinho nesse pensamento. Mas é importante ter em mente que estes dois não são os únicos concorrentes, e há outros candidatos de peso na disputa. “Ainda que a liderança no número de indicações de Bacurau (15) e A Vida Invisível (13) já fosse esperada, é bom ver produções de apelo menos comercial, como Temporada e Inferninho se aproximarem destes números ou ainda acompanhar a solidificação do nome da diretora Gabriela Amaral Almeida, após o excelente O Animal Cordial, com as 6 indicações de seu A Sombra do Pai”, continua Leonardo Ribeiro, crítico de cinema e colaborador do Papo de Cinema.

Temporada, de André Novais Oliveira

Aliás, esse é um ponto forte que não pode ser descartado: a presença de mulheres no comando de muitos desses títulos. Como Marcelo reforça: “É lindo ver uma cineasta como Gabriela Amaral Almeida se consolidar como uma de nossas bravas porta-estandartes do cinema de gênero ao demonstrar seu repertório robusto”. E o Leo cita mais exemplos: “entre outras cineastas que também merecem elogios, destaque para Flávia Castro, cujo belo Deslembro poderia tranquilamente ter ido além das 3 indicações recebidas. Como em qualquer premiação, temos também alguns “injustiçados”, completamente esquecidos (ou quase)”.

 

Os filmes brasileiros de baixo orçamento não enfrentam dificuldade apenas na comunicação com o público, mas também com a crítica”

– Bruno Carmelo

 

Essa é uma questão que não pode ser ignorada. Afinal, apenas os finalistas são “bons” de verdade, ou há outros dignos de atenção que, pela falta de espaço – são apenas 5 finalistas em cada categoria – ou mesmo por não terem recebido uma distribuição eficiente – e, por isso, não chegaram a ser vistos por um número suficiente de pessoas – acabaram ficando de fora da lista final? “O Guarani 2020 confirma a tendência da crítica brasileira a privilegiar filmes midiáticos, ao invés de vasculhar pequenas produções que mereceriam igual atenção. A menção discreta aos bons Sócrates, Mormaço, Azougue Nazaré e A Noite Amarela, e a ausência de indicações a Aspirantes e Marés sugere que os filmes brasileiros de baixo orçamento não enfrentam dificuldade apenas na comunicação com o público, mas também com a crítica”, reforça Bruno Carmelo.

A Noite Amarela, de Ramon Porto Mota

Há, de fato, pérolas que mereciam mais atenção. “Caso de O Clube dos Canibais, de Guto Parente, que, mesmo em escala menos épica, apresenta uma mistura de exercício de gênero e crítica social tão bem equilibrada quanto a do campeão Bacurau. Mas o grande menosprezado desta edição é mesmo o paraibano A Noite Amarela, longa de estreia do diretor Ramon Porto Mota. Além da solitária, e irretocável, menção na categoria de Melhor Som, este conto onírico sobre ritos de passagem adolescentes merecia ser lembrado tanto nas categorias principais (Filme, Direção, Roteiro Original) quanto nas técnicas (Montagem, Fotografia, Trilha Sonora) e de elenco (coletivamente e individualmente entre as Revelações do Ano)”, discorre Leonardo Ribeiro, lamentando a falta de uma maior aceitação de um dos seus favoritos.

 

“Observar as indicações do 25º Prêmio Guarani é algo animador, dado o cenário atual da cultura brasileira”

– Leonardo Ribeiro

 

O que não pode ser dito, no entanto, é que os finalistas não possuem mérito suficiente para estarem nos lugares que ocupam. “Não menos bonito é acompanhar o sucesso de Inferninho, filme pequeno no escopo de produção, mas enorme quanto à inventividade que faz emergir o afeto num espaço de exceção. Nossos documentários falando de golpes, corpos trans, perversidade do capitalismo e flertando com o realismo fantástico ao centralizar a figura indígena. Os curtas-metragens indicados, bem como as animações, também são indícios irrefutáveis”, lembra com entusiasmo Marcelo Müller.

Inferninho, de Guto Parente e Pedro Diógenes

Temporada, No Coração do Mundo, Inferninho, Deslembro, A Sombra do Pai e Los Silencios demonstram a variedade e riqueza da produção nacional”, aposta Carmelo. E Müller dá sequência: “Bacurau e A Vida Invisível eram realmente apostas seguras, inclusive depois do sucesso no Festival de Cannes. Temporada e No Coração do Mundo também iniciaram sua trajetória longe de sua terra natal, sendo exibidos inicialmente em eventos globais. Será que por isso chegaram tão fortes por aqui? Arrisco a dizer que não, pois outros exemplares também debutantes em festivais internacionais não tiveram a mesma ‘sorte’”. Outro ponto de destaque que pode ser percebido entre os concorrentes desse ano é lembrado por Bruno Carmelo: “a mais intensa representatividade LGBTQI+, negra e feminina se encontra nas formas de produção igualmente “marginais”, caso dos documentários e dos curtas-metragens – sinal de que a renovação do cinema nacional provém destes segmentos”.

 

Ser constantemente indicado em premiações é a maior demonstração da qualidade de seu trabalho”

– Francisco Russo

 

O 25° Prêmio Guarani de Cinema Brasileiro pode ser visto também como um momento de reparar antigas injustiças. “Ser constantemente indicado em premiações é a maior demonstração da qualidade de seu trabalho, mostrando que não se é andorinha de um só verão. Mas quando os anos passam e a aguardada vitória nunca vem, nasce a aura da maldição em torno de quem sempre bate na trave. No Guarani não é diferente, pois há uma forte candidata à maldição de Amy Adams (6 indicações ao Oscar, nenhuma estatueta). Trata-se de Andrea Beltrão, neste ano comemorando sua sétima indicação sem jamais ter levado um prêmio sequer para casa. A nova tentativa da atriz é por conta de Hebe: A Estrela do Brasil, na esperança de não repetir os feitos de Pequeno Dicionário Amoroso (1997), A Grande Família: O Filme (2007), Romance (2008), Verônica (2008), O Bem Amado (2010) e Em Três Atos (2015). Será que a Academia Guarani de Cinema irá permitir? Em 1º de julho, saberemos se a maldição continua ou enfim chegará ao fim!”, aponta Francisco Russo, crítico de cinema e editor em Lisboa, Portugal, do Papo de Cinema. Dentre os 19 atores e atrizes indicados neste ano (nas categorias de protagonistas e coadjuvantes), temos 7 nomes que estão concorrendo pela primeira vez ao Guarani, e outros 6 que nunca foram premiados. Ou seja, a chance de renovação é enorme.

No Coração do Mundo, de Gabriel Martins e Maurílio Martins

Observar as indicações do 25º Prêmio Guarani é algo animador, dado o cenário atual da cultura brasileira. Não só pela constatação da boa qualidade da safra 2019 de nosso cinema, mas também da diversidade da mesma, com quase 30 longas sendo lembrados”, complementa Leonardo Ribeiro. E é exatamente esse o nosso objetivo, que se renova a cada ano, quando iniciamos as atividades de reunir dezenas de críticos de cinema de todo o país e consultá-los em busca dos seus favoritos na última temporada. E assim o Guarani vai tomando conta das atividades no Papo de Cinema, com uma edição especial do nosso podcast e lives diárias com os indicados no nosso perfil no instagram, além de notícias e matérias especiais aqui no site – como essa, que será seguida por outras durante todas as semanas até o primeiro dia de julho, quando os vencedores serão anunciados. Até lá, o importante é manter a torcida e ir atrás dos filmes não vistos, pois há muito a se prestigiar e descobrir no cinema nacional contemporâneo!