21 nov

Making Of :: “É como um diálogo entre as ilusões e as desilusões”, diz o diretor Cédric Kahn

Cedric Kahn é um dos principais astros da delegação internacional do 14º Festival Varilux de Cinema Francês (2023). E ele desembarcou no Brasil para apresentar Making Of (2023), drama em que a Sétima Arte vira o seu próprio assunto. Nele, um experiente diretor de cinema luta para manter a integridade artística diante das pressões dos financiadores. Os donos do dinheiro querem um final mais esperançoso à história dos operários que lutam por melhores condições de trabalho (assim subvertendo a realidade, pois a trama é baseada em fatos). Já o realizador pretende um encerramento menos conformista, tendo de lidar com este dilema: manter-se fiel à sua visão, mas ter dificuldades para continuar o trabalho ou ceder às pressões por um cinema menos combativo? Para falar sobre o longa-metragem, trocamos uma ideia com Cedric Kahn numa tarde ensolarada do Rio de Janeiro. Bem-humorado e disponível, ele contou como se vê no filme e suas motivações. Confira este Papo de Cinema exclusivo.

É algo especial fazer um filme sobre os bastidores de um filme?
Sim, mas não faria duas vezes (risos). É como se deparar com um abismo (risos). Eu parecia muito com o menino que deseja fazer cinema. Morava no campo, não tinha ligação com o cinema que, para mim, era um mundo meio inacessível. Então tinha muitos sonhos e ilusões sobre esse meio. Tenho a impressão de ter mantido algumas dessas ilusões, mas em alguns momentos, claro, surgem as desilusões. É como um diálogo entre as ilusões e as desilusões.

E esse personagem do Stefan é interessante justamente porque fura a bolha do cinema…
Em francês falamos em “teto de vidro”. Mesmo sendo uma comédia, o filme tem uma denúncia social por trás. Denuncia esse meio um pouco nepotista, ditatorial, que se reproduz nele mesmo. Por isso o personagem de Stefan é tão importante, pois ele é capaz de furar a bolha, de criar uma falha nesse sistema. Acredito que esse abalo atualmente existe mais, vide as escolas de cinema que dão bolsas de estudo, por exemplo. E às vezes esse teto de vidro está na mente das pessoas. Tive amigos de meios mais simples, filhos de operários, e eles nem pensavam ser possível fazer cinema. O personagem de Stefan representa essa possibilidade de emancipação. No filme, a irmã dele fala “o cinema não é feito para pessoas como nós”, frase que ouvimos desde pequenos.

E o cineasta mais velho é um personagem rico, pois um homem obstinado, mas cansado…
Exatamente como eu (risos)

E ele representa essa luta árdua por integridade artística. Ele trava a batalha constante que vocês cineastas travam, não é mesmo?
É cansativo. É mais fácil fazer concessões, é bem mais tranquilo aceitar. Como quando a gente envelhece temos menos energia, é mais fácil e menos fatigante tomar esse caminho de aceitar as concessões. Mas, o pior para mim é ver jovens se vendendo desde o começo, respondendo positivamente a toda sorte de imposições e concessões, como se a submissão fosse lhes dar vantagem. Esses jovens dizem “vou fazer uma concessão agora para depois conseguir realizar o que quero”.  E eu digo a eles que se começarem pensando assim, as coisas certamente não acabarão bem.

Então, você pode ser encontrado no cineasta idealista jovem e no homem experiente cansado que luta contra as concessões?
Sim, com certeza nos dois. O personagem do cineasta mais jovem ainda vive em mim. Tenho a impressão de que esse jovem segue aqui vivendo. E estou sempre fazendo respiração boca a boca nele para seguir vivendo aqui (risos). Há momentos em que perco um pouco da coragem, nos quais penso que o sistema é muito mais forte do que eu, Noutras vezes acho que sou mais forte do que o cinema.

Como o cinema é um tanto intocável à maioria das pessoas, você acha que tem um componente aí também de curiosidade, que o público curte espiar esses bastidores inacessíveis?
Eu, como espectador, adoro (risos). Me alegra mostrar o cinema desse ponto de vista meio tabu, expondo os conflitos sociais, as humilhações, as relações de poder. A ideia é mostrar o cinema como qualquer outro meio, como qualquer atividade em que há hierarquias e essas relações de poder são vigentes.

Como você está vendo isso de mostrar o filme no Brasil dentro do Festival Varilux?
É um bom teste viajar com o filme para saber se o tema é universal o suficiente, se fisga plateias diferentes. Além do cinema, o filme fala de coisas comuns, como o desejo de emancipação social, a violência do capitalismo. Podemos contar isso de diversas maneiras, pois infelizmente essa violência é algo universal.

Marcelo Muller

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